Reflexões pré internação
"Já aprendi não olhar para trás e confiar no meu caminho a partir daqui.
Mesmo que a estrada seja perigosa e tão incerta... não me diga que chegou no fim!
Sou refém de uma simples decisão, que dilacera o coração.
Use seu coração como uma lança, pois um dia terá orgulho de dizer que lutou!
Preserve o que você avista, conserve o que você gosta, não seja pessimista se não a vida encosta.
Não seja um egoísta, não erre com quem se importa, não abaixe a cabeça se o não for a resposta."
Dr. Caligari (part. Terra Preta) - Não me diga que chegou no fim
Certas coisas na vida só aprendemos com a dor. Claro que o amor também ensina... o amor constrói! Mas, as vezes, precisamos desconstruir para entender melhor e assim aprendi muitas coisas no período pré internação para operar.
Sem conseguir subir minha rua sem ficar ofegante, sem conseguir me alimentar direito e perdendo 15kg, não conseguindo entender direito o que viria pela frente e precisando ficar (ou ao menos me mostrar) firme em casa, passei por volta de um mês de muita reflexão.
Afinal, por que nos desgastamos tanto em trabalhos que não nos reconhecem? Por que afirmar que "preciso de todo meu salário (e muito mais)" se grande parte, para alguns, é só para suprir necessidades superficiais como festas, consumo desenfreado, vícios etc? Todos temos sim que nos divertir... é o mínimo. Trabalhar para viver e não viver para trabalhar. Porém, quando se perde quase tudo e volta-se a depender dos familiares aos vinte e quatro anos de idade, percebemos que nossa qualidade de vida deve estar acima de tudo.
Claro que é fácil falar isso agora e entendo a real necessidade de alguns. Porém adotei a ideologia de me colocar acima de coisas como trabalho e obrigações. Temos que nos amar e se tiver que escolher um emprego com uma remuneração menor, mas mais recompensador e saudável, escolha! Dinheiro é ótimo e esse papo de que ele não trás felicidade é balela. Ele trás sim. Mas com toda certeza, ele ajuda, mas não compra saúde nem amor. E na minha humilde opinião, a balança esta toda para o amor e saúde...
As vezes me via quase caindo na depressão. Com vinte e poucos anos, sem poupança, sem carro, sem casa própria... totalmente alheio ao padrão esperado e que tanto lutei para estar. Quem nasce pobre tem que vir com gana, pois já estamos em desvantagem. A vida não é corrida, nem campeonato... mas temos que trilhar nossa história e sem condições básicas fica muito mais difícil. Batalhei muito para não me enquadrar no padrão assalariado-infeliz e não permanecer na inércia do "está bom assim, não vou arriscar".
Graças ao apoio dos meus pais, pude me dedicar aos estudos. E tenho plena certeza que o que muda uma nação é a educação. Tive que correr atrás de uma bolsa para conseguir me graduar. Para me especializar fora do Brasil, também. Fui muito abençoado e me orgulho da minha dedicação. De certa forma acredita que poderia conseguir o que quisesse se mantivesse a gana de vencer. Mas... e agora?
Como seria se meu tumor espalhasse? Como encarar as férias forçadas, logo no momento que me sentia no auge? E se algo desse errado, como ficaria minha mãe? Minha família? Nunca a palavra morte passou pela minha cabeça como uma possibilidade real. E realmente não consigo responder essas dúvidas. Dias era otimista, dias pessimista. Mas botei na cabeça que só as coisas boas sairiam da minha boca. Lei da atração... eu queria viver! E quem luta por isso sabe que tudo mais parece pequeno.
Fui muito incentivado por familiares, amigos, namorada, conhecidos... Recebi uma força incrível e esse apoio me fortaleceu muito. Tinha a certeza que Deus estava do meu lado e comecei a contagem regressiva para internar, logo após confirmarem que seria dia 25/03/2012.
Era a hora da verdade. Nada mais importava, apenas que a operação fosse bem sucedida e o tumor totalmente retirado sem se espalhar. Não pensava na dor, não pensava nos cuidados pós operatório... só queria vida nova!
Dentre as pessoas que conversei antes de internar, alguns receios surgiram. Muitos irão contar casos de pessoas que o médico abriu e simplesmente fechou, devido a extensão do tumor. Vão lhe contar casos de falecidos, de erros médicos... tudo! Por favor, filtrem toda e qualquer coisa que possa lhe perturbar.
Num momento desse, precisamos estar focados.
Em momento algum me questionei "Por que eu, Deus?". Assumi esse processo como uma missão. Longe de ser um mártir. Queria apenas viver e, dali pra frente, ser exemplo para outros jovens que passarem por um momento tão delicado. Não por achar bonito... mas por sentir falta de alguém nessa posição para me ajudar, alguém que tenha passado por isso e me contasse tudo.
Na verdade tive dois exemplos próximos, que me trouxeram luz e esperança. Guilherme do Segue-me e Rebeca. O primeiro, enfrentou essa barra aos dez anos. Leucemia, se não me engano, e diversas sessões de Quimioterapia. Mas o tratamento mudou muito e o meu seria diferente... precisava entender pelo que passaria. Só que mesmo com uma doença diferença, sua história me dava força. Já a Rebeca teve um tumor no cérebro e uma cirurgia hiper arriscada era necessária. Lembro-me de quando raspou a cabeça e seu namorado, meu grande amigo Rodrigo -que na época tinha cabelo longo; também raspou. Foi emocionante... e gratificante demais o resultado. Mesmo distante, torci muito por ela e mais pra frente contarei a emoção no dia em que ela me visitou no hospital. Embora tenham sido fundamentais pela força que me deram, faltava alguém que tivesse passado exatamente pelo mesmo problema.
Recentemente, com o blog, também pude conhecer a história da, agora, minha prima Débora. São pessoas que a história me trás a certeza que tudo é possível. E guardar minha história seria egoísmo também. Alguém... alguém que esteja passando por isso irá conhecer esse endereço, essa história. E talvez uma semelhança, uma palavra ou uma música ajude essa pessoa a se fortificar para enfrentar sua batalha. Quero ver vencedores, vida nova a nós!
Pós blog já tive contatos, relatos e histórias que fizeram valer a pena contar minha luta. Tenho planos para juntar esses anjos que passaram na minha vida e fazer acontecer algumas coisas como visitas aos enfermos e ajuda em equipamentos que o SUS não cobre, como a cinta pós operatória que minha namorada me comprou e muitos não tinham condição. Se quisermos uma mudança no mundo, temos que ser essa mudança. Estou cada dia mais firme nessa idéia e conto com vocês!
Hoje apenas relatei as dúvidas e angústias que vivi nesse período. No próximo texto contarei como foi ficar internado, a operação e seus resultados. Mais uma vez, obrigado pela força que vocês vem dado... se os textos demoram a sair, não se preocupem que não abandonei o blog. É que os textos tem que partir da alma, tem que vir a vontade e a inspiração juntas. Escrever por escrever eu nem teria começado.
Dr. Caligari (part. Terra Preta) - Não me diga que chegou no fim