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segunda-feira, 5 de novembro de 2012


Volta ao lar

"Sigo sem medo pela trilha estreita. Corpo cansado, vermes a espreita.
Eu sei, fui eu que quis assim, pois tenho fé que o mundo é seu. Seja o que Você quiser...

Mesmo que o mundo diga não, se entregar não esta em questão.
Foco e força na missão, põe fé e o coração.

Seu riso não calarão, a luta nunca é em vão.
Há sempre uma solução... seja o que Você quiser!"
Terceira Safra - Seja o que Você quiser

No auge dos meus vinte e tantos, me via preso num hospital e isso me incomodava muito. A inquietude da juventude pulsava forte. Era angustiante a possibilidade de passar a Páscoa no hospital. Os grilhões que lá me seguravam, não podiam segurar minha mente... que em muitos momentos voava alto, buscando um pouco de liberdade. Queria trabalhar, estudar, sair, namorar... viver! E mesmo sabendo que aquilo era uma fase transitória e necessária para meu bem, foi muito difícil lidar com isso.

Lutar para não esmorecer. E essa luta foi travada dia após dia, pois devemos sempre manter a mente sã. Quem luta contra o Câncer deve, sobretudo, ter confiança. Que seja efeito placebo ou não, o importante é recuperar a saúde e a vida.

Após a boa notícia que o meu cateter já tinha chegado, os procedimentos foram tomados. Roupão vestido, boas energias trocadas com os meus e parti, mais uma vez, para o centro cirúrgico.  O implante do port-a-cath é através de uma micro cirurgia, sendo possível inclusive estar acordado durante o processo. Não tenho esse sangue frio e pedi para tomar o "boa noite Cinderela" após a anestesia.

Acordei na maca, meio dopado, mas bem. Apenas com a esperada dor. É algo totalmente suportável, porém me disseram que há pessoas que saem da cirurgia e já vão dirigir, por exemplo. Realmente não foi meu caso, senti um grande incomodo e andei curvado por alguns dias. Não conseguia sequer levantar o braço. Demorou para meu corpo se habituar com o cateter, porém hoje já nem o percebo. De qualquer maneira vale muito a pena para quem será submetido a tratamentos prolongados.

Já me alimentava bem, caminhava bastante e demonstrava uma ansiedade enorme por sair do hospital. Os médicos perceberam a melhora no meu quadro e na quinta feira começaram a falar em alta. Isso só abriu mais ainda meu apetite e humor, fazendo com que meu quadro realmente melhorasse. Foram inúmeras idas à capela ou aos outros andares para demonstrar que estava apto a voltar para casa.

Na sexta feira fui acordado por um dos enfermeiros informado a confirmação da alta médica. Mas nos casos de cirurgia do intestino, existe um procedimento padrão para confirmação da alta: a evacuacão. Como me alimentei muitos dias a base de líquidos, os médicos precisavam confirmar que meu intestino estava funcionando perfeitamente... e aí começou um momento engraçado no hospital. Eu estava doido para ir ao banheiro mas não tinha a menor vontade.

Liguei para minha namorada contando a boa nova. E acordei alguns amigos ligando cedinho e compartilhando a novidade também... Ficou combinado que meu futuro sogro iria me buscar, as malas já estavam prontas, mas ainda faltava ir ao banheiro. Tentaram me ensinar algumas técnicas, mas de fato não creio que nenhuma tenha funcionado. E, após o café da manhã, finalmente meu intestino cumpriu seu papel e deu sinal de vida. Nunca senti tamanha felicidade após ir ao banheiro!
Lembro até de ter convidado minha mãe para verificar o resultado final, como testemunha para eu ir embora... rs

Como ser humano, acredito que só aprendemos mesmo com a dor. Apesar do amor ser um ótimo método também, não o vejo como eficaz. Só sendo privado de muitas coisas que pude dar valor a elas. 

Me despedi dos médicos, enfermeiros e colegas de quarto. Junto com minha mãe e namorada, descemos as malas e tudo mais que usei para ocupar a mente. Desde uma pequena televisão,  emprestada por um grande amigo, até revistas que ganhei de amigos, namorada e do meu tio Zé. Outro grande amigo deixou seu psp comigo e um pequeno grande parceiro, o Renatinho, deixou seus jogos de psp também. Sei que tudo isso parece sem importância, mas no fundo foram todos esses pequenos mimos que me ajudaram a travar a luta para não desanimar. Infelizmente não era todo momento que poderia ter alguém lá do meu lado, para conversar e distrair... então deixo aqui meu muito obrigado a todos que, além de toda força, puderam também colaborar com uma dose de entretenimento enquanto estive internado, fazendo com que as horas passassem mais depressa.

Ah... que alegria descer todos andares do hospital! Que felicidade colocar toda bagagem no porta mala, sentar num banco macio e sentir o vento no rosto. Como foi bom rever o mundo lá fora, sentir o coração pulsar mais forte e intenso. Foi uma dose de vida...

E falando em vida, era sexta feira da Paixão... o dia que Jesus deu sua vida para nos salvar. Como já disse em outros posts, meu ano foi marcado por momento simbólicos. Descobri a doença no Carnaval e passei pelo deserto com Cristo. E agora ia embora do hospital, com a missão cumprida e todas notícias positivas... ganhei uma nova vida no dia que Ele dava a sua por nós. Para alguns pode ser besteira, mas tenho certeza que não...

Pude, enfim, dormir novamente na minha cama, almoçar a deliciosa comida da minha mãe, sentir o ar puro quando quisesse... voltei ao lar e isso não tem preço. Deus abençoe aqueles que são privados disso e aqueles que nem possuem um teto e uma família. É o que temos de mais precioso na vida: nossa mãe, nossa família, namorada, amigos e nosso lar. Aquele lugar que nos sentimos bem e a vontade.


"Cada dia longe é duro suportar, deixa a louça na pia que hoje eu mesmo vou lavar! 
Eu desci a ladeira pra ver o que tinha por lá e voltei pra poder te contar que eu sempre vou voltar...
Não há lugar melhor no mundo que nosso lugar..."
Projota - Desci a ladeira


Ainda precisava da ajuda da minha mãe ou namorada para tomar banho. Ainda sentia dores. Ainda tinha dificuldades em levantar o garfo para comer. Mas nada disso substituiu a alegria de passar a Páscoa em casa, poder comer chocolate, poder partilhar bons momentos com os meus. A guerra ainda teria muitos outros capítulos, mas o mais complicado tinha passado. Era hora de me preparar para o que ainda estaria por vir... No próximo post contarei sobre o congelamento de Sêmen e o começo da quimioterapia, ok? 

Terceira Safra - Seja o que Você quiser