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terça-feira, 15 de outubro de 2013


A terapia química

"Nessa madrugada eu não me sinto bem. 
Todo mundo dormiu e eu preciso falar com alguém.
 Esse silêncio me tira do trilho
 e ninguém melhor que o pai pra escutar o desabafo do filho."
Rashid - Mil Cairão

Apesar do tempo desde as últimas postagens, as lembranças do período da Quimioterapia são latentes na minha mente e espero que, compartilhando minha experiência, quebre alguns mitos/medos e motive quem precisar passar por esta fase. 

Devido o procedimento de congelamento de sêmen meu tratamento foi adiado por duas vezes. Em certo momento fiquei receoso por isto, uma vez que era paciente do SUS e poderia enfrentar burocracias mais complicadas adiante. Por sorte, logo após terminar o processo do congelamento, recebi uma nova ligação marcando os exames para iniciar a Quimio. Os pedidos foram os básicos: de sangue, urina etc.

Com resultados em mãos, liguei para a clínica do Oncologista que me acompanhou durante a internação no hospital, analisando meu tumor, tirando dúvidas e orientando sobre o tratamento que enfrentaria. Para minha surpresa, mesmo tendo operado pelo SUS, este Dr. prosseguiria o acompanhamento somente pelo particular e sua consulta custava quase um salário mínimo! Talvez este tenha sido o único ponto, em todo este processo de diagnóstico/operação/tratamento, que poderia reclamar do atendimento. Como que, em nenhum momento, o hospital me avisou desta situação? O paciente que se encontra nesse momento frágil, tende a criar laços com tudo aquilo que desponta como esperança para sua cura. Apesar da sua maneira fria de me dar a notícia relatada no post anterior, era um bom médico e já tinha depositado muita confiança nos seus métodos.

Mas era totalmente inviável prosseguir com o tratamento através de sua clínica, eu não tinha condições de arcar com todos custos que envolviam o tratamento: consultas, exames, locomoção, alimentação...
Visitamos pessoalmente a sua clínica (que prefiro não citar) para buscar o diálogo e uma possível negociação nos preços. Sem sucesso. No máximo seria um desconto que em nada alterava nossa insuficiência financeira. Perguntamos então se no hospital haviam médicos Oncologistas que atendessem pelo SUS e, para nossa indignação, a resposta foi negativa: "Para sua faixa etária não existem médicos do SUS lá no Beneficência Portuguesa", tentaram justificar.

Saímos do consultório revoltados e corremos para o hospital atrás de respostas. E para novo espanto, a secretária do Oncologista particular havia nos passado uma informação totalmente infundada. Há, sim, médicos oncológicos que atendem pelo SUS no Beneficência Portuguesa. Assim como em todo hospital que atenda de maneira pública. Se estiver passando por algo semelhante, vá atrás de seu direito. Não se contente com a primeira informação que chegar. 


// Inclusive aqui vale uma pausa para informações importantes. Independente do seu tipo de Câncer ou condição de tratamento, você possui direitos, assegurados pelo INCA, que "visam minimizar as dificuldades que possam surgir no decorrer de seu tratamento". Para facilitar, o Instituto Nacional de Câncer possui uma cartilha com toda orientação ao paciente. O Hospital AC Camargo também elaborou sua Cartilha dos Direito dos Pacientes com Câncer. Durante o tratamento recebi um manual do Beneficência portuguesa também, além de alguns materiais, que pretendo disponibilizar aqui, contendo orientações de como proceder nos casos do paciente apresentar sintomas decorrentes da Quimioterapia.

Enfrentei uma burocracia enorme e mesmo assim não consegui o benefício de Auxílio Doença. Teoricamente minha cicatriz, exames, tratamento previsto e condição financeira não foram suficiente para convence-los de que eu precisaria do benefício. Uma advogada amiga comentou que tal direito é bem criterioso e as vezes precisa-se tentar duas, três vezes para conseguir. Parei na segunda tentativa, já desgostoso por todo sistema.

Entretanto a garantia da gratuidade no transporte público funcionou super bem. Através do site da SPTrans pode-se solicitar o Bilhete Único Especial para deficientes. O benefício vigora por um ano, com possibilidade de extensão em caso de continuidade do tratamento. E também existe a possibilidade de incluir dois Acompanhantes para o Bilhete.

Assim sendo, apesar de toda batalha de ir e voltar de uma sessão de Quimioterapia utilizando o transporte público, o benefício ameniza os problemas da questão financeira disso tudo.

Existe mais uma gama de direitos: Isenção de ICMS, IPVA, IPI, dispensa de rodízio, cirurgia de reconstrução mamária, entre outros... pesquise nos links supracitados.

Existem diversos canais que informam e auxiliam o paciente durante todo este processo. Destaco dois sites que foram esclarecedores e tiraram muitos fantasmas da minha cabeça: Oncoguia e ABRAPAC. //


Após resolver todo problema de papelada e marcar a consulta, passei pela primeira vez na Dr. Andréia, minha primeira oncologista. Acredito que seja um procedimento padrão: o/a médico(a) avalia seus exames, cria uma ficha sua com peso, altura, descrição da doença, avanço do tratamento etc., estuda qual melhor tratamento indicado e agenda as primeiras sessões. Assim, consegue-se fazer um acompanhamento melhor quanto resultados.

Na minha inocência acreditava que o processo de Quimioterapia fosse uma coisa única, padronizada. Na verdade não. Cada foco da doença é combatido com medicamentos específicos, que podem ser administrados de diversas formas e com diversos intervalos. No meu caso, ajustando minha necessidade com os recursos disponíveis pelo SUS (cota de gastos semanais, tipos de materiais e medicamentos etc) ficou decidido que eu faria a Quimioterapia uma vez por semana, durante seis semana, seguida de duas semanas de repouso. Sendo que esse ciclo se repetiria por três vezes.

Como possuo o Portocath, tive algumas recomendações especiais, quanto cuidado com pancadas na região, a necessidade de uma agulha específica para aplicação e cuidados como limpeza caso houvesse períodos maiores de um mês sem utilizar o cateter. 

Após todas decisões tomadas, a Dra. marcou a primeira sessão para a semana seguinte. E aí se iniciava a segunda parte do meu processo de cura, sempre acompanhado da minha mãe que foi uma verdadeira rocha ao meu lado.


Sala de Quimioterapia

 Basicamente tínhamos uma cadeira, um balcão e um aparelho que controlava o gotejamento da medicação, isto de acordo a minha experiência no Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Apesar de tenso no primeiro dia, o time de enfermeiras e auxiliares era, foi e é sensacional. Super simpáticas, carinhosas e cuidadosas, fizeram com que eu me sentisse a vontade desde o início. A aplicação da agulha especial do Portocath causa um certo desconforto, mas não chega a ser doloroso. Muito pelo contrário, inclusive. Uma vez inserida, não sentimos mais nada durante a aplicação da medicação. Já através das veias do braço, a sensação de queimação é forte e a sensibilidade aumenta muito.

A cada sessão eu passava em torno de duas a três horas no hospital. E neste meio tempo, recebíamos um lanche, suco/danone e um doce. Realmente o tratamento do hospital com seus pacientes é ótimo.

Tomava a Quimio às terças. Sempre saía de lá por volta das 15h e chegava em casa meio pra baixo. Acredito que não tenham sido reações do corpo e sim da mente. As quartas feiras costumam ser mais pra baixo ainda, com falta de apetite e desânimo geral. Nas quintas esse quadro começava a melhorar e quando era sexta feira já estava bem, me alimentando na medida do possível e mais animado. Acredito que isso era devido ao tempo que demorava para meu corpo expelir o veneno a química. Quando comecei o tratamento já avisaram: "A Quimio mata tudo de ruim que você possui no corpo. E tudo aquilo de bom também". Apesar de exagerada, a explicação faz certo sentido. A Quimioterapia destrói todas células que se reproduzem rapidamente, atingindo assim os tumores (formações de células com anomalias no seu dna). Em contra partida, prejudica outros órgãos que possuem formações de células aceleradas como o intestino/estômago, formação capilar (por isso a queda de cabelo) e formação hormonal (por isso a possibilidade de ficar estéril).

Pessoalmente não tive problemas com queda de cabelo, apesar de não achar este o pior dos problemas. O que aconteceu foi que após algumas sessões já percebia a quantidade de cabelos brancos surgiam! Também tive muitas náuseas, vômitos, falta de apetite e feridas na boca.

No próximo post continuarei descrevendo as reações da Quimio, darei algumas dicas que me foram valiosas e vou contar talvez o capítulo mais difícil que vivi durante todo tratamento. Muito obrigado pela força de sempre, pelos comentários, emails e mensagens pedindo para eu terminar de contar minhas história. Como disse no primeiro post, que as informações ou o relato sirvam para ajudar/encorajar que seja uma pessoa só, já considero que minha missão foi cumprida.

quinta-feira, 7 de março de 2013



Quimioterapia vs. Paternidade

"Nossa luta é pela VIDA, não tem como perder essa guerra..."
Projota - NóiZ

Com vinte e poucos anos, talvez não seja prioridade da maioria dos jovens ser pai/mãe. São outras as prioridades: faculdade, carreira, imóveis, carros, festas... Isso é natural. O que não é natural é ser privado do direito de decidir ser pai.

Um fato muito marcante durante minha internação foi a visita do médico Oncologista, responsável por analisar o tumor que removeram de mim e preparar todo o tratamento. As notícias eram preocupantes a princípio: um tumor de quase 10cm. Tiveram que remover metade do meu intestino e o diagnóstico viria em alguns dias. Dias de angústia. Mesmo que a cirurgia tenha sido um sucesso, o resultado na análise patológica poderia confirmar uma metástase. O resultado era imprevisível, devido à extensão do tumor.

Mas isso tudo já era esperado. Sabia dos riscos e possíveis consequências. A notícia que realmente me chateou foi dada de maneira tão informal... Acompanhei o Dr. até o elevador, um pouco antes de descer ele me pergunta

- Você pensa em ser pai?
- Claro que sim -respondi; por que?
- Com a quimioterapia você pode ficar infértil! Seria bom você buscar alguma clínica de congelamento de sêmen...
- Mas como, Dr.? Se vocês querem começar a quimioterapia comigo internado... e qual seria o preço de uma clínica dessa?
- Esse trabalho é caro... e eles podem vir recolher 'seu material' aqui no hospital mesmo. Talvez seja um processo reversível depois de dois, três anos...

Logo após, virou as costas, entrou no elevador e desceu. Parte de mim desmoronou neste instante. Sempre sonhei em ser pai... buscar meu filho na escola, leva-lo ao estádio do nosso time, deixar meu caráter como herança. Sempre sonhei em ajudar meu filho a resolver o dever de casa, brincar com ele... enfim, ser pai sempre foi um dos meus sonhos.

E a notícia viria num péssimo momento, pois meses atrás meu pai, meu herói até então, deixara eu e minha mãe para se aventurar pelo mundão com outra mulher. O vazio era enorme. E a possibilidade de não poder escrever uma história diferente com meu filho(a) derrubou muitas lágrimas. Minha mãe me aguardava no quarto e não entendeu o motivo do meu choro. Com muito custo expliquei a situação e tive o conforto do seu abraço.

Dias depois, em nova conversa com o Dr. eu recebi as boas novas quanto minha doença: sem metástase. Na escala TNM fique em T3N0M0 - Tumor invade a subserosa, ou além, sem envolver outros órgãos. O que significa? Que meu tumor chegou muito próximo de contaminar outros órgãos, mas não o fez. Vitória! Talvez em um ou dois anos sem ser descoberto esse câncer poderia custar minha vida, se espalhando pelo corpo. Mas Deus fez tudo da melhor maneira possível e, na prática, eu já estava curado. Digo na prática pois qualquer caso de câncer, na teoria só se afirmar resolvido depois de 5 anos de observação.

Mesmo com a boa nova me via destroçado, desamparado, sem perspectivas de futuro. Eu não poderia ser pai? A única opção viável, o congelamento, era muito cara de acordo as palavras do Dr.. O que fazer, como superar isso? Sai do hospital ainda sem entender. Apesar da alegria de passar a páscoa em casa essas dúvidas acabam comigo. Tive a felicidade de não começar o tratamento internado, pois o hospital precisava do leito e como já estava bem, fui liberado.

Era hora de agir. Me recuperar, me preparar para o tratamento e ao mesmo tempo me preocupar como resolver a situação da futura, mas muito desejada, paternidade. Sentia o peso do mundo nas minhas costas e tinha apenas três semanas para resolver tudo.

Após conseguir andar normalmente e não depender de ajudar para tomar banho ou comer, comecei a buscar clínicas de reprodução humana. Resumindo os milhões de telefonemas, sites e indicações, uma amiga sugeriu o Hospital e Maternidade Santa Joana, no Paraíso. De todos os lugares este me pareceu o  mais indicado para confiar o futuro de uma vida. Além de um ótimo custo-benefício sua estrutura é muito boa e me senti seguro.

O problema era como custear o tratamento? Apesar de mais barato, não estávamos em condição. Antes do procedimento do congelamento, são feitos exames de sorologia (para verificar doenças como Hepatite ou Aids) e não são baratos. Além disso, tinha o custo do congelamento e a manutenção (que se torna anual), totalizando algo em torno de R$1200,00. Não importava, era o futuro da minha família.

Em uma das poucas visitas do meu pai, conversei com ele sobre os custos, meus sonhos e vontade. E a resposta foi mais uma decepção: "Pra que? Hoje em dia nem compensa ter filho... se casar, curte, viaja, mas não tenha filho não...". Assim, não poderia contar nem com aquele que era meu herói. Além de me sentir abandonado no momento mais difícil da minha vida, ainda não tive apoio nesse novo desafio.

Foi complicado digerir tudo isso. Confesso que em certos momentos pensei em desistir... já estava cansado de apanhar da vida. Mas para minha família e meus amigos anjos isso não poderia acontecer e trataram de resolver tudo.

Seguindo conselhos da minha mãe e avó, passei no cartão de crédito os valores de exames e congelamento e Deus daria um jeito de conseguirmos pagar. E Deus usou seus anjos para resolver tudo. Vou utilizar as palavras que já tinha escrito em outra postagem:


"Organizada por um anjo/irmão, foi feita uma vakinha para pagar os custos do congelamento e da Quimio, como transporte e alimentação. Em um dia muito especial, me convidaram para um simples encontro. Chegando lá, amigos anjos me esperavam, com comes, bebes e muita alegria. Não entendi direito na hora, pois tinha pessoas queridas que não via a tempos. E em dado momento me foi revelado a ajuda que eles conseguiram organizar."


A surpresa foi grande, não segurei as lágrimas e senti um dos maiores momentos de alegria da minha vida. Pude, numa fração de segundos, fechar os olhos e ver o rostinho de uma criança, dormindo no meu colo. Era um sonho que se tornaria real. Eu poderia ter uma família! E, por mais distante que possa estar, meu filho(a) já tem muitos padrinhos...

Tive que adiar o começo do meu tratamento para realizar todos procedimentos necessários para o congelamento. Mas tudo deu muito certo, pude garantir o futuro da minha família e iria mais confiante para o começo da quimioterapia.

Para quem precisará passar por esse procedimento todo ou simplesmente tem curiosidade, vou explicar mais ou menos como funciona:

O congelamento de sêmen serve para preservar os espermatozóides que, congelados a baixíssimas temperaturas, mantêm suas propriedades e assim garantem a possibilidade de reprodução carregando o DNA de seu portador. No futuro, se a quimioterapia realmente me deixar estéril, poderei decidir quando descongelar minhas amostras e realizar uma fertilização assistida.

A coleta do sêmen é realizada por masturbação, pelo próprio paciente, em sala isolada. Como estímulos existem revistas e filmes pornográficos. O processo é meio desconfortável, em certa dose até engraçado, mas quando deixava a clínica e lembrava do motivo de tudo isso, valia a pena. E são necessárias, para garantir a futura fertilização, pelo menos 3 amostras, feitas em dias diferentes.

Realmente foi algo que pensei nunca precisar, mas que agradeci muito por existir. Durmo tranquilo pois sei que um dia escutarei o riso do meu bebê, independentemente de como ele será concebido.

Ser pai é uma benção que espero alcançar.

Centro de Reprodução Humana Santa Joana
Rua Dr. Eduardo Amaro, 152 - 8º andar - Paraíso
São Paulo - SP - CEP 04104 080
Tel. (11) 5573 3015 – (11) 5080 6048

No próximo post conto os detalhes de como foi enfrentar a quimioterapia. E prometo não demorar tanto para postar novamente... mas em algum momento explicarei o motivo desse hiato entre as postagens, ok?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013



Quarta-feira de cinzas, mais cinza ainda.


Um ano atrás minha quarta-feira de cinzas foi mais cinza ainda. 

Começava uma batalha muito dura que com a força de Deus, família, namorada e amigos consegui vencer. Ainda não oficialmente, mas tenho certeza da minha cura.

Em um ano nossa vida pode virar de cabeça pra baixo. Em um minuto estamos bem e no outro instante vemos tudo desmoronar. A vida, quando bate, bate pesado... mas é aquela história: O que importa é o quanto suportar e seguir em frente. É assim que se ganha!

Faz um tempo que não atualizo o blog. Não cabe agora justificar, mas eu sei da importância de uma palavra amiga e da informação... portanto voltarei a ativa hoje mesmo. Tenho o compromisso de contar minha história, compartilhar minha batalha e ajudar quem esta passando por isso também.

Me desculpem pela ausência nesse tempo todo...